quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sonhos de Natal e fraternidade

Dia de Natal
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

Nesta quadra natalícia, lembrei-me deste poema, que me faz sempre reflectir sobre a importância do Natal e daquilo que ele significa realmente.
Se bem que António Gedeão não seja alentejano, ele foi um dos maiores poetas portugueses. As suas eternas poesias marcam-nos pela simplicidade com que retratam tão bem a nossa vida.
E recordo-me dos natais há alguns anos atrás, quando não havia tanto consumismo, e que todos juntos à lareira se passava a noite da consoada a comer nozes e castanhas, a cantar e a contar histórias.
Pelo Natal, geralmente comiam-se carne de porco frita e peru habitualmente guisado com batatas e sopas de pão. O bacalhau chegou mais tarde. Bebia-se um copinho de vinho. As filhoses, o arroz doce, as fatias de ovos, o bolo de mel, o bolo de requeijão, os sonhos e o café servido na “chocolateira” não podiam faltar. A família estava reunida e os presentes quando os havia eram abertos na manhã do dia 25. Um Natal bem diferente daquele que hoje temos. Por um lado, felizmente que assim é, pois apesar das dificuldades, as pessoas vivem melhor, mas por outro lado, perdeu-se um pouco o espírito natalício, que deveria ser um momento de maior solidariedade, fraternidade e amizade entre todos nós. As pessoas não tinham tanto dinheiro mas não era por isso que eram menos felizes. Encontravam a sua felicidade nas pequenas coisas da vida. De alegria em alegria, conseguiam dar um pouco mais de alento às suas vidas às vezes tão difíceis.
É este espírito que tento dar à minha vida. Não vale a pena pensar que um dia quero ser feliz, pois estou constantemente a adiar essa felicidade e não dou valor àquilo que é realmente importante. Há que ser feliz aqui e agora. Hoje, posso afirmar que foi no Alentejo que aprendi a olhar com outros olhos tudo aquilo que me rodeia: a natureza no seu esplendor, o céu imensamente azul e infinito, as paisagens a perder de vista, o voo dos pássaros, a beleza das casas caiadas de branco, os castelos, os rios, as estrelas, o ar puro, a simplicidade e generosidade dos alentejanos, o seu cante, o valor da amizade, e sem dúvida, aprendi a apreciar ainda mais a gastronomia alentejana, com as suas sopas, cozidos, ensopados, enchidos, doces e os seus deliciosos petiscos. Movo-me no meio desta riqueza. Tudo isto me tornou numa pessoa mais rica, mais responsável com o meio ambiente em que vivo, mais feliz e, espero eu, mais humana.  
Foi minha humilde intenção tentar partilhar convosco um pouco desta alegria, serenidade e tranquilidade que o nosso maravilhoso e delicioso Alentejo me transmite.
Esse Alentejo, não está só nesta região a sul de Portugal, este Alentejo de paz, amizade e solidariedade temo-lo todos no nosso coração.

Passem um bom e feliz Natal rodeados de tudo aquilo que vos trás alegria, e que o próximo ano seja o mais delicioso possível.
Obrigado aos que têm seguido este blog. Um abraço para todos e um muito especial para os emigrantes que estão tão longe da sua terra e da sua família.

E para que os vossos sonhos se tornem realidade, comecem já por concretizar estes aqui. Este é o meu presente para vocês, um mundo onde os sonhos "ainda comandam a vida"!


SONHOS DE ABÓBORA DE NATAL


Ingredientes:

abóbora
Casca limão
manteiga
1 cálice de aguardente
3 ovos
Sumo de 2 laranjas
Açúcar
farinha com um pouco de fermento
canela

Preparação:
Cozer a abóbora em pouca água, juntamente com a casca de limão e um pouco de manteiga e aguardente. Depois de ferver, juntar o sumo das laranjas, a farinha, e misturar até a massa se despegar do fundo do tacho. Deixar arrefecer e misturar os ovos, bater até ficar em ponto.
Numa frigideira, deitar colheradas de massa em óleo a ferver. Retirar quando estiverem bem lourinhos e passá-los por açúcar e canela.


domingo, 11 de dezembro de 2011

Cante alentejano, património cultural imaterial da humanidade



No Alentejo todos cantam e raros são aqueles que não sabem cantar.
Canções misteriosamente carregadas de tristeza, mas sempre cheias de filosofia popular, que prendem à terra ou ao amor, ao lirismo dos montes e da solidão dos campos. Canções que exprimem sentimentos, como a melancolia, os anseios, as saudades, a alma expressa na lembrança da terra e dos lugares onde se nasceu.

A maioria das canções são tristes, mas podem também ser alegres, irónicas ou até humorísticas, mas são sempre uma extraordinária fonte lírica, onde as vozes trémulas e vibrantes, vindas do mais fundo do ser humano, ostentam céus extremos, campos de trigo e de estevas.  As suas origens não se conhecem bem, embora se pense que poderão vir tanto do canto gregoriano como do árabe.  

São estas canções de camponeses, que se têm perpetuado de geração em geração, que definem a alma do povo alentejano e, de certa forma também do povo português, e que hoje, se continuam a cantar nas associações ou nas tabernas e cafés, ou em qualquer lugar desde que haja vontade.
 Por isso, e bem-haja a todos os intervenientes, a candidatura do cante alentejano a “património cultural imaterial da humanidade” será apresentada a 30 de Março de 2012, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em Paris (França).
A ideia da candidatura partiu de um desafio lançado ao presidente da autarquia de Serpa, João Rocha, pelo embaixador Fernando Andresen Guimarães, ex-presidente da Comissão Nacional da UNESCO, aquando da preparação da candidatura desta cidade à Rede de Cidades Criativas da UNESCO, no tema Música".
A Confraria do Cante Alentejano, a Casa do Alentejo e a Associação MODA são os promotores desta candidatura liderada na comissão de honra pelo presidente da República, Cavaco Silva, da qual fazem parte também: o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, o bispo do Porto e presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, D. Manuel Clemente, o presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Rui Vilar, e o comendador Rui Nabeiro. A presidir à comissão científica está o musicólogo, Rui Vieira Nery,
Vários documentos irão ser apresentados, estando prevista a elaboração de uma recolha e estudo do cancioneiro e discografia do cante alentejano, a inventariação e caracterização dos grupos corais e uma compilação ilustrada de histórias de vida de cantadores e de grupos corais.
Enquanto isso não se faz, recomendo, desde já, a leitura da obra de José Francisco Pereira  intitulada “Corais Alentejanos” (Edições Margem,1997). Este primeiro trabalho de recolha e de reflexão sobre a problemática do “Cante Alentejano” serviu de suporte e motor do “Congresso de Cante Alentejano”, realizado, em 1997, em Beja.
E, como bons alentejanos que somos, também podemos contribuir para a divulgação da nossa cultura. Eis o link do manifesto do Cante alentejano, que podem subscrever http://www.peticaopublica.com/?pi=P2011N17409.






E a minha sugestão de hoje, para desejarmos boa sorte a esse lindo projecto, que tal saudarmos esta iniciativa com um delicioso licor de bolota?  

LICOR DE BOLOTA


Ingredientes
1 l de aguardente
300 g de bolota de azinheira
800 g açúcar
6 dl água
3 cascas de limão
Filtros para licor
Descascar bem as bolotas e pisá-las ligeiramente. Deitá-las num frasco de boca larga e acrescentar a aguardente. Rolhar bem.
Deixar de infusão durante cerca de um mês, agitando a mistura de vez em quando.
Pôr ao lume o açúcar, as cascas de limão e 6 dl de água.
Depois de ferver, deixar cozinhar por mais cerca de 4 a 5 minutos em lume brando.
Deixar arrefecer e misturar essa calda com a aguardente coada.
Deixar repousar durante umas horas, e filtrar o licor para dentro de garrafas, às quais poderá acrescentar 2 ou 3 bolotas lavadas. Guardar as garrafas bem tapadas.   

Um delicioso licor para a consoada de Natal.


Saúde!
Ao cante alentejano e principalmente à cidade de Serpa por ter aceite este  desafio. E agora, o Grupo Coral e Etnografico da Casa do Povo de Serpa.